Sem ajuste fiscal, o Brasil dificilmente retomará um ciclo positivo de crescimento econômico. A afirmação, abraçada por boa parte dos economistas do país, é também defendida pelo diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Luiz Guilherme Schymura. Ele avalia, no entanto, que o quadro da economia nacional precisa piorar mais para que haja maior apoio às reformas necessárias para ajustar as contas públicas.

“No meu modo de entender, eu acho que a situação vai ter que piorar um pouco para começar a se ter um apoio maior para que esse ajuste fiscal saia no nível necessário”, disse Schymura.

Para o economista, todos os gestores públicos concordam que o ajuste fiscal precisa ser feito. Porém, afirma que “há dificuldade de convencimento da classe política e da sociedade da urgência” com que ele deva ser promovido.

“Embora o desemprego esteja com uma taxa muito alta, nós temos uma inflação ainda muito baixa. A economia, mesmo crescendo pouco, ainda vai crescer esse ano de 1,5% a 1,7%. Os juros [taxa básica] a 6,5% também não é nada demais. Então, não tem muito sinais de que o fiscal esteja numa situação tão dramática”, pondera.

Questionado sobre o que significaria uma piora do cenário econômico atual para que seja dada urgência aos ajustes, Schymura é categórico ao afirmar que tal papel caberia à inflação.

“A inflação é o sinal do caos. O caos econômico é a inflação. Porque a inflação não é escolha, ela é o desfecho de uma guerra. A guerra econômica, a guerra distributiva, ela gera inflação. Porque os interesses não cabem naquele contexto. É todo mundo pedindo, não conseguem se acertar, então a inflação surge e faz o trabalho sujo. Foi assim da década de 80 até o plano Real”, apontou.

O economista disse considerar que o país corre sim o risco de ver surgir uma nova crise inflacionária como aquela pré-plano Real. “Agora, o mecanismo pelo qual ela se dará é difícil saber. Talvez um pouco via câmbio. É difícil saber como esse processo será deflagrado. Até porque nós temos hoje um país em condição de empurrar com a barriga essa questão fiscal”, disse.

“Empurrar com a barriga” a situação fiscal, segundo Schymura, foi o que fizeram os últimos governos, incluindo o atual. Ponderou, porém, que o “presidente não é salvador, nem demônio”, já que as reformas dependem do Congresso Nacional.

A entrevista com Luiz Guilherme Schymura faz parte de uma série do G1 que tem o objetivo de consultar economistas sobre o atual estágio da economia e os caminhos para a retomada do crescimento. Veja aqui todas as entrevistas da série.

Como o sr. avalia o cenário econômico brasileiro atual?

O cenário atual é preocupante por conta da necessidade do ajuste fiscal de pelo menos uns 3 pontos percentuais do PIB, o que é significativo. E eu estou falando a nível estrutural, não a nível conjuntural. Ou seja, tem que ser uns 3 pontos percentuais que perdure indefinidamente.

O principal desafio do governo atual ao assumir era a retomada do crescimento. O que ele fez foi satisfatório?

Acho que não foi satisfatório . A questão fiscal ficou muito a desejar. Não houve um ajuste fiscal que se esperava, ou pelo menos o mínimo necessário que se imaginava que poderia ter sido feito. Pensou-se na questão de uma reforma da Previdência, mas o fato é que ela não chegou nem a ser encaminhada de fato para votação pelo Congresso. Os ajustes feitos foram na parte do custeio e no investimento público. Não vimos nenhum esforço adicional para a contenção de despesas.

A reforma da Previdência seria suficiente?

A reforma da Previdência é importante, mas não é suficiente. A conta da Previdência é muito grande. Existe um crescimento vegetativo nessa conta por causa do envelhecimento da população. Então, é difícil você imaginar que se consegue um ajuste fiscal de longo prazo sem passar pela Previdência.

Os analistas estão divididos quanto a reforma da Previdência. Alguns acham que ela sai com o próximo presidente, outros acham que o novo presidente não vai conseguir emplacá-la…

Eu acho que consegue alguma coisa, porque já amadureceu [a proposta de reforma previdenciária] um bocado. Eu acho que não vai ser tão ambiciosa como a que os mais otimistas imaginam, nem se deixará de aprovar nada como pensam os mais pessimistas. Deve aprovar alguma coisa como idade mínima, talvez separando alguns grupos. Alguma coisa vai sair até pela necessidade da questão fiscal.

Quais são os desafios para se promover esse ajuste fiscal?

O problema de qualquer ajuste fiscal dessa dimensão é porque ele é tão intenso que você precisa definir quem vai pagar a conta, seja pela perda de benesses, que é a redução das despesas, ou pelo aumento do preço das coisas, através de mais imposto. Esses ajustes fiscais mais fortes só são conseguidos em ambientes nos quais a economia já está sofrendo. Você precisa ter algum sinal de que as coisas vão mal para a população como um todo. Porque se não tem esse sinal, as pessoas ficam desconfiadas.

Não há esse sinal ainda?

A própria população só começa a ter uma percepção de urgência quando ela se apresenta de alguma maneira. Como é que você vai imaginar a população com uma percepção de urgência com uma inflação em 3%?

Mas o mercado de trabalho não sinaliza essa urgência?

Sinaliza, mas não que elas vão ser mais penalizadas [se não se fizer um ajuste]. Hoje, o que você está dizendo é ‘olha, além de você estar desempregado, eu ainda vou fazer o seguinte: você vai ter que se aposentar mais velho. Você não só não vai conseguir emprego, como vai ter que trabalhar mais’. Então a pessoa pensa ‘quer dizer que meu inferno vai ser maior ainda? Minha agonia vai crescer ainda mais?’.

O que, então, sinalizará essa urgência?

A inflação é o sinal do caos. O caos econômico é a inflação. Porque a inflação não é escolha, ela é o desfecho de uma guerra. A guerra econômica, a guerra distributiva, ela gera inflação. Porque os interesses não cabem naquele contexto. É todo mundo pedindo, não conseguem se acertar, a inflação surge e faz o trabalho sujo. Foi assim da década de 80 até o plano real.

O sr. acha que o tema economia vai pautar o debate eleitoral deste ano?

Eu acho que não, porque a economia não está tão ruim. Sob a ótica do agora, é óbvio que o desemprego está ruim. Mas a segurança está terrível. O sistema de saúde, precário. O sistema de educação, eu não preciso nem falar como está. Então, você tem vários problemas dentro da sociedade brasileira que atormentam a população. O eleitorado hoje, eu te garanto, está muito mais preocupado em não levar um tiro na rua e que o preço do gás não suba, dele ter condição de comprar gás, de ter um posto de saúde com médico, do que com o ajuste fiscal. E como se resolve isso com o fiscal deteriorado?

Essas demandas por educação, segurança, saúde, são históricas…

É importante nós entendermos essa nossa situação de maneira contextualizada. Em 2013 nós tivemos o movimento das ruas. Aquele ali foi um momento em que nós tivemos salário real crescendo, o desemprego caindo. Mesmo com essas notícias positivas houve um movimento da população. O fiscal já estava ruim. As pedaladas já tinham começado porque você não estava conseguindo entregar o fiscal. Mesmo neste contexto você teve uma população pedindo mais e mais qualidade do serviço público.

Qual deve ser a agenda de 2019?

Eu acho, na minha opinião, que é prioritário e fundamental fazer o ajuste fiscal. Se você me perguntar ‘na questão econômica hoje, o que é prioritário?’, [respondo] o fiscal. E a segunda prioridade? O fiscal. E a terceira? O fiscal. Talvez na quinta eu vá pensar em outra coisa. Porque sem o ajuste fiscal eu não consigo imaginar o país crescendo, porque o investimento não vai vir. Você não cria ambiente de negócios.

Somente o fiscal?

Tem outras coisas a serem feitas? É óbvio que tem, o país é de uma complexidade, tem muita microeconomia a fazer, muitos detalhes com relação a concessões que serão dadas, à defesa da concorrência, de se aumentar ou estimular mais as ações de defesa da concorrência, questões setoriais, definição clara de qual é o papel do meio ambiente para evitar que obras deixem de ser feitas. Tem várias questões que são importantes, mas o crucial é o fiscal.

A greve dos caminhoneiros marcou uma mudança no cenário econômico esse ano?

Eu acho que teve um papel importante, porque marcou uma leitura da economia política que não se tinha até o momento da greve. Até então, se acreditava que a governabilidade de um presidente da República, no caso o Michel Temer, com uma baixíssima popularidade, era possível com apenas uma negociação dentro do Congresso Nacional. E o que essa greve nos mostrou é que a baixa popularidade do presidente acabou influenciando a política econômica em vigor.

O sr. se refere à política de preços da Petrobras?

Sim. Porque a política econômica que tinha sido estabelecida era a Petrobras blindada, trabalhando para resolver as suas contas, ser uma empresa independente do governo, que trabalharia no sentido de gerar eficiência e lucro. E o que essa greve mostrou é que houve um apoio popular maciço aos caminhoneiros, o que forçou a Presidência da República a ceder nesse processo de barganha com os caminhoneiros. Com isso, mudou a política econômica do governo. Então, é um marco importante e devemos estar atentos nos próximos governos.

E qual deve ser o futuro da Petrobras a partir de então?

Eu acho que a gente aprendeu, ou a gente já sabia mas talvez esqueceu, que é impossível você ter um país com uma situação fiscal deteriorada e ter uma empresa [estatal] muito bem. Para a Petrobras, houve uma janela de oportunidade. Embora o fiscal do governo estivesse muito ruim, a Petrobras estava muito pior. Então, você criou ali uma blindagem em torno da empresa para ela melhorar. Quando a Petrobras começa a melhorar muito, por ser estatal, ela começa a ser objeto de desejo de todos para tentar pegar um pedaço. No fundo, ela não pode ficar tão desequilibrada do resto do país. Quando é que os preços das ações da Petrobras subiram muito? Quando o Brasil no fiscal estava indo muito bem. E em 2009 e 2010 o preço da Petrobras disparou. O país começa a ir mal, você sabe que vão sangrar a empresa, qualquer estatal. Dificilmente seria diferente em qualquer outro país do mundo.

Mas, e em relação à política de preços da Petrobras de agora em diante?

Depende de quem vai ser o presidente. Mas eu acredito que volte a ter uma atuação política em cima dela, com o preço mais controlado. É inevitável que a empresa acompanhe de alguma maneira o preço internacional. Como que vai ser essa regra, é difícil dizer. Agora, como foi até agora, com o fiscal do jeito que está, eu não acredito. Porque ninguém vai abrir mão da Petrobras numa maneira dramática como a que estamos.

Mas o mercado reagiu muito fortemente quando o governo interveio na Petrobras…

Sempre existe aquela expectativa de que a Petrobras será privatizada em algum momento. Então, qual é o imaginário do mercado? Você tem ela blindada num primeiro momento, ela fica limpa, redonda e cresce em valor de mercado e aí ela será entregue à privatização. De fato, do ponto de vista de quem está pensando em privatizar, primeiro embala a noiva, mostra que ela tem condições, para depois colocar à venda.

Voltando ao nosso ponto inicial, o sr. pode listar quais os principais desafios para o Brasil voltar a crescer?

O principal desafio é o fiscal. A questão fiscal tem que ser prioritária para qualquer que seja o governo que venha a assumir. Você tem aí um dever de casa importante que é gerar um ajuste fiscal estrutural de 3% do PIB. Se não resolver o fiscal, você não consegue só com ajustes setoriais, gerar uma onda de crescimento.

E o que esperar do mercado de trabalho no contexto atual?

Voltamos de novo ao fiscal. Por que o fiscal é importante nesse aspecto? Porque com o fiscal melhorando, tem investimento. Melhorando o fiscal, dando uma sensação de solvência no país, de não ter uma sensação de risco de inadimplência, o juro cai. A taxa de retorno sobre o investimento físico no país é muito alta. Então, na medida que o juro cai porque o fiscal consertou, a gente vai ter uma onda positiva dentro desse país de investimento que vai afetar diretamente o mercado de trabalho. O fiscal não é uma questão de capricho, de ter as contas bonitinhas. O fiscal é um sinal de que você consegue criar vantagens para o investidor. O fiscal se resolver significa o seguinte: não é só o número se resolver, é a regra do jogo que vai ser estabelecida.

Fonte: G1 Globo

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